OS PERCALÇOS DOS NOSSOS VELHOTES

Por: Jorge Cosme

A máxima segundo a qual “roupa suja deve lavar-se no quarto” não é apenas um apanágio de famílias africanas, é sobretudo um princípio sacrossanto das relações internacionais, em que os Estados, ao projectar os seus interesses para além-fronteiras, elevam a face positiva das suas bases de poder. É o que os estudiosos de política chamam imagem do poder, o conjunto de actos que evidenciam o lado mais atraente de uma unidade política. Fazem-no as nações com democracia mais vibrante, fazem-no os regimes mais fechados, fazem-no as igrejas e fazem-no também as famílias. Trata-se de um princípio basilar da ética de responsabilidade, do respeito e do amor próprios.

Não é por acaso que cidadãos, de todos os estratos sociais, norte-americanos, europeus, russos e israelitas, prelados católicos e de outras denominações não expõem a vergonha escondida atrás das cortinas. Todos têm consciência que no cenário internacional não há amizade, nem aliados permanentes. Há sim interesses que devem ser defendidos e projectados, por todos os cidadãos, repito, independentemente do seu grau de ligação às instituições formais do Estado.

É tendo consciência deste valor estruturante que, até ao momento, tenho dificuldade de recuperar do golpe verbal protagonizado pela nossa velhota Luzia Sebastião, uma intelectual respeitável do ramo do Direito, que formou gerações de ouro no campo da Justiça em Angola, muitos deles a exercerem cargos de responsabilidade de Estado.

Em África, o cabelo branco é sinónimo de prudência, de ponderação e de abstrações que ajudem a preservar o respeito, o orgulho e a exaltar os feitos da família, diante de estranhos.

Homenageada como Combatente da Liberdade, no âmbito das festividades do 25 de Abril, em Lisboa, Luzia Sebastião, uma das mulheres mais influentes de Angola, ter-se-á derretido em elogios e, perdendo a lucidez e noção do lugar e do contexto em que se encontrava, “estendeu” o sistema da justiça angolano nas esteiras mais rasteiras de jocosidade portuguesa.

A professora disse, por outras palavras, que a Justiça em Angola se tinha transformado num antro de intimidação de cidadãos, não se apresentando neste momento como um recurso de garantia dos direitos e liberdades. O alcance desta afirmação é devastador e, ao despertar da sua êxtase momentânea, a professora de Direito Penal já se terá apercebido dos prejuízos provocados à imagem do país, a curto, médio e logo prazos.

O que deixa, contudo, apreensivo qualquer cidadão atento e que conhece minimamente a histórica professora não é o facto de esta ter apresentado a sua opinião. Aliás, estamos todos carecas de saber que Luzia Sebastião integra, sem motivo aparente, a fila de ressabiados, desde que foi jubilada, por limite de idade, em sede do Tribunal Constitucional, onde exerceu a função de juíza conselheira durante nove anos, de 2008 a 2017.

O que se esperava de alguém com créditos firmados nos pilares estruturantes do Direito em Angola é tomar o seu lugar de senador, de conselheiro dos seus discípulos que hoje conduzem a Justiça no país e não ir bradar às trombetas do antigo colonizador e no estrangeiro sobre como andam as coisas no edifício que ela mesma ajudou a construir. Mas tudo indica que a professora, ao ter recebido o galardão de Combatente da Liberdade, tenha-se julgado cidadã portuguesa ou, na pior das hipóteses, não se terá dado conta que, sendo um activo da Academia angolana, é também embaixadora das causas angolares.

Não acreditamos que a nossa professora tenha ido a Portugal fazer diplomacia negativa contra o seu próprio país, o seu berço, governado pelo seu próprio partido. Não acreditamos que, à sua idade, a professora venha a mudar de pátria ou de “team”, como se costuma dizer no jargão da juventude.

Professora, aquele não é o lugar ideal para lamentações, embora respeitemos as motivações materiais ou imateriais na base do descontentamento.

O muro das lamentações, aliás, está num espaço altamente disputado entre judeus e muçulmanos, cada um lutando pela sua causa suprema. A causa suprema dos angolanos foi a Independência pela qual a senhora professora se bateu, mas também é a promoção do desenvolvimento, um objectivo vital que passa pela atracção de investimento estrangeiro.

O que a senhora fez na terra de Adriano Moreira, um dos percursores do conceito da imagem do poder, que lhe é caro, foi desencorajar possíveis investidores a apostarem no mercado angolano, por ausência de segurança jurídica. Não é isso que a senhora professora nos ensinou nem a sua respeitada família defende. Compreende-se que tenha sido um lapso, mas inadmissível para a sua idade, para a sua idoneidade e para o seu prestígio académico.

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