CIÊNCIA CRIA NOVA ARMA CONTRA O VIH, MAS O PREÇO CONTINUA A SER O INIMIGO

Por: Waldano Natxari

Especialista em Governança Corporativa, Saúde e Gestão Pública

A aprovação recente do lenacapavir, fármaco de longa duração desenvolvido pela Gilead Sciences, representa um marco na luta global contra o VIH.

Comercializado sob a marca Yeytuo na Europa e Yeztugo nos Estados Unidos, este medicamento, administrado por injeção subcutânea a cada seis meses, abre novas possibilidades de prevenção, sobretudo em populações vulneráveis.

Contudo, o avanço científico vem acompanhado de velhos problemas: o acesso desigual e a lógica do mercado.

Nos Estados Unidos, o custo anual do Yeztugo ultrapassa os 28 mil dólares e na União Europeia 24 mil euros.

Estimativas divulgadas pela imprensa e por especialistas apontam valores muito distintos: em Espanha fala-se em cerca de 20 mil euros por ano, no Reino Unido em 4 a 5 mil euros anuais, enquanto na Alemanha o teto regulatório poderá rondar os 28 750 euros, apesar de a farmacêutica ter proposto um valor próximo dos 40 mil euros pelas duas injeções semestrais.

No Brasil, esse valor equivale a mais de R$ 270 mil por paciente ao ano. Projeções indicam que, com a produção em escala e versões genéricas, o custo poderia cair para menos de R$ 600, mas o país foi excluído dos acordos de licenciamento para genéricos, o que levanta debates sobre soberania sanitária e a necessidade de recorrer a instrumentos como a licença compulsória.

Angola, por sua vez, está entre os 120 países priorizados para receber o lenacapavir genérico a baixo custo.

O preço estimado é de apenas 40 dólares anuais por paciente, cerca de 33 mil kwanzas, o que aumenta as possibilidades de incorporação do medicamento em programas públicos de prevenção.

Esta realidade contrasta com a exclusão de países de rendimento médio, como o Brasil, e evidencia um dilema ético: por que razão os pobres têm acesso facilitado, enquanto países com maior capacidade produtiva enfrentam barreiras impostas pelo mercado global?

Esta variação ilustra não apenas a incerteza sobre o custo final, mas também o desafio de garantir acesso equitativo a uma inovação que pode transformar a prevenção do VIH.

A disparidade de preços denuncia um problema político e ético que transcende a ciência.

A descoberta é fruto de anos de investigação, desde os primeiros estudos pré-clínicos entre 2018 e 2020, até os ensaios de Fase 2/3 iniciados em 2021. O estudo PURPOSE 2, conduzido em diversos países, demonstrou uma redução de 96% no risco de infecção entre os participantes. Ou seja, a eficácia do medicamento é indiscutível. Mas, como tantas vezes acontece em saúde global, a questão central não é a ciência, mas o acesso.

O caso do lenacapavir recorda-nos de que inovação sem equidade é uma vitória incompleta. Países como Angola têm, neste momento, a oportunidade de integrar-se nos programas internacionais e beneficiar do acesso a medicamentos genéricos. Todavia, para que tal se torne realidade, será necessário fortalecer os sistemas de regulação, criar parcerias internacionais e garantir capacidade logística e de distribuição.

O lenacapavir é mais do que uma promessa médica: é um espelho das desigualdades estruturais que marcam o mundo contemporâneo. A ciência avança; resta saber se a humanidade avançará no mesmo ritmo, colocando a vida acima do lucro.

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